terça-feira, 11 de junho de 2013

Sol poente tardinha... - Florbela Espanca


Sol Poente Tardinha...

 "Ave-Maria, Mãe de Deus..."
E reza a voz dos sinos e das noras...
O sol que morre tem clarões d'auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!

Horas que têm a cor dos olhos teus...
Horas evocadoras doutras horas...
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!

Horas em que as saudades, p'las estradas,
Inclinam as cabeças mart'rizadas
E ficam pensativas... meditando...

Morrem verbenas silenciosamente...
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando...

Florbela Espanca

As minhas mãos - Florbela Espanca

As Minhas Mãos

As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.

Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.

Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!

Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?


Florbela Espanca

Ambiciosa - Florbela Espanca

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!...


Florbela Espanca

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Só - Florbela Espanca





Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...

As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas...

Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha...

Eu chego então à janela:
E fico a olhar pra lua...
E fico a chorar com ela!...

Florbela Espanca

Eternidade Inútil - Cecília Meireles


Eternidade inútil

Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis:

tudo que invento, apenas,
e dura menos que eu,
que chega e passa.

Não chorarei minha triste brevidade:
unicamente alheia,
a esperança plantada em tristes dunas,
em vento, em nuvem, n'água.

A pronta decadência,
a fuga súbita
de cada coisa amada.

O amor sozinho vagava.
Sem mais nada além de mim...
numa eternidade inútil.

Cecília Meireles

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Canção para uma valsa lenta - Mário Quintana

Canção para uma Valsa Lenta


Minha vida não foi um romance…
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa… de encanto… de medo…


Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.


Minha vida não foi um romance…
Pobre vida… passou sem enredo…
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!


Minha vida não foi um romance…
Ai de mim… Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso… de um gesto… um olhar…


Mário Quintana

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Meu desejo - Betânia Uchôa



Meu desejo

Eu queria ser um pássaro cheio de porte
Com olhar profundo e penas imensas!
Eu queria ser uma música, bela e extensa,
A sair embalando corações, lírica e forte!

Eu queria ser uma flecha, certeira e densa
Acertando corações, lhe dando amor e sorte!
Eu queria amar de forma livre e intensa
Um amor único que nos leve até a morte!

Que varra para bem longe a dor e a tristeza...
Que palpita o peito diante de tanta beleza,
E que não haja um mortal que o desmente!

Que me traga sempre essa vontade todo dia,
De esquecer que um dia eu tive dor e agonia!
Perpetuando sempre esse amor na mente!...

Betânia Uchôa

Dias de inverno - Betânia Uchôa



Dias de inverno


Hoje meu ser está triste e no abandono
Não me encanta nada do que vejo.
Hoje, nada me traz um simples desejo
Pareço um ser carente e sem dono

O amanhã vem e traz dor e esse medo
De que a vida passe sem algo a iluminá-la
Ou uma simples lembrança, para guardá-la
Entre chaves, como um grande segredo

Que eu possa lembrar mesmo envelhecida
E me traga um grande alivio
O alento para minha pobre vida

Quando o dia nascer assim sombrio
Essas lembranças me tragam acolhida
Um cobertor, lembrança do amor no frio.

Betânia Uchôa